Reflexões sobre a Inteligência Artificial, Ética, Sociedade e a Psicanálise
Por Ulisses Caballi Filho[1]
Como seriam nossas vidas sem uma sociedade ética?
Que tal aguçar a discussão que está por vir?
Vejamos:
Quantas vezes, nos últimos tempos, imaginamos uma sociedade regida pela Inteligência Artificial?
Mas afinal, o que é IA? Optei por duas definições.
Veja a primeira a seguir:
A inteligência artificial (IA) é um conjunto de tecnologias que permitem aos computadores executar uma variedade de funções avançadas, incluindo a capacidade de ver, entender e traduzir idiomas falados e escritos, analisar dados, fazer recomendações e muito mais.
A IA é a espinha dorsal da inovação na computação moderna, agregando valor para indivíduos e empresas. Por exemplo, o reconhecimento óptico de caracteres (OCR) usa IA para extrair texto e dados de imagens e documentos, transformando conteúdo não estruturado em pronto para negócios, dados estruturados e insights valiosos. (Definição Google).
Façam suas apostas: será que foi a própria IA que se definiu deste modo?
( ) Sim ou ( ) Não
Para a segunda definição encontrei a autora Dora Kaufman[2], que contribui deste modo:
A inteligência artificial hoje é fundamentalmente modelos estatísticos que, baseados em dados, calculam a probabilidade de eventos ocorrerem. Esse pequeno avanço tem sido responsável por transformações na economia, nas relações pessoais, na sociedade em geral, mas estamos a léguas de distância da chamada general AI (ou strong AI ou full AI), que, supostamente, seria uma inteligência artificial dotada de capacidades de nível humano. (Desmistificando a Inteligência Artificial, cap. Fundamentos e Lógica da IA, pg. 11)
Isso não se trata de mais uma ficção hollywoodiana. De fato, já ultrapassamos a hora da pergunta clássica:
Quem vencerá o duelo:
( ) Máquina ou ( ) Humanidade
Passados um quarto do século XXI, ainda existem fortes convicções sobre a permanência do pensamento do binário…
( ) Ser ou ( ) Não ser, eis a questão[3]!
Continuando com as provocações vale destacar as irmãs Wachowski[4], pioneiras ao levar inovação à Sétima Arte no ano de 1999 com o filme Matrix.
Agora, é Real: a IA chegou!
Antes, temos que voltar à questão da ética e entender qual função essa palavra exercerá entre as estrelas: IA e Sociedade. Torcemos que seja além do Simbólico papel de figurante.
Mas afinal, o que é ética? Optei por essas duas versões.
Veja a primeira nas palavras do filósofo Aristóteles:
A ética (do grego ethos, “costume”, “hábito” ou “caráter”) está diretamente relacionada com a ideia de virtude (areté) e da felicidade (eudaimonia).
Já a segunda foi retirada do Dicionário Aurélio:
Reunião das normas de juízo de valor presentes em uma pessoa, sociedade ou grupo social: a ética parlamentar o impediu de transgredir suas convicções[5].
Mais uma provocação:
Numa sociedade cada vez mais individualista, seria possível usar felicidade para um bem coletivo?
( ) Sim ou ( ) Não
Seguindo a linha das definições, faltou explorar o conceito de sociedade. Então vamos lá.
Mas afinal, o que é a Sociedade?[6]
Temos em sua origem etimológica: latim societas, -atis. Sociedade. O dicionário Priberam lista 11 mandamentos (grifo do autor), para definir esse substantivo feminino.
Selecionei duas:
1. Reunião de pessoas, unidas pela origem ou por leis (grifos do autor). 2. União de pessoas ligadas por ideias ou por algum interesse comum. = Agremiação, Associação.
Para não fugir da lógica textual, temos mais uma definição de sociedade.
Veja a seguir, nas palavras do também filosofo, Durkheim:
O conceito de fato social (fait social), cujas características básicas seriam sua exterioridade e coercividade, ou seja, os fatos sociais são independentes de nossas vontades e de nossas consciências, regendo nossas ações de forma impositiva[7].
Agora, pergunto-lhes, onde está o diferente?
( ) Prefiro não saber ( ) Se não é comigo, não me importo
Dando uma pausa nas provocações para resgatar o também pioneiro no campo das emoções, trata-se, de Sigmund Freud, neurologista e fundador da Psicanálise. Em 1895, prestes a completar 40 anos, Freud escreve uma carta[8], datada em 27 de abril, para seu amigo Wilhelm Fliess. Na ocasião, Freud se queixa de estar demasiadamente absorvido pela sua “Psicologia para Neurologistas”, em suas palavras:
“Sinto-me literalmente devorado por ela, a ponto de ficar exausto e me ver obrigado a interromper. Nunca passei por uma preocupação tão grande assim. E dará algum resultado? Espero que sim, mas é um trabalho difícil e lento”.
Pesquisa feita no Bing para imagens de Freud e Fliess foi indicado essa foto que provém do Wikimedia Commons, um acervo de conteúdo livre da Wikimedia Foundation que pode ser utilizado por outros projetos na https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:FreudFliess1890.jpg Freud, mais alto a esquerda e Fliess a direita.
Coincidências não existem, é melhor pensar que é cômico: estou com a mesma idade que Freud tinha quando se inclinou para os estudos psicanalíticos. O que houve depois já virou fato, e a Psicanálise permanece sendo transmitida até hoje. Longe da erudição que Freud apresentou ao longo dos anos, sigo um próprio caminho, neste meu tempo de vida e amadurecimento. Dentro do possível, tento estudar o tema de IA e suas implicações para o desenvolvimento psíquico.
O avanço das novas tecnologias e a capacidade de transformar o mundo digital em um ecossistema é tão rápido quanto a velocidade dos neurônios em movimento. Em uma pequena comparação, a cada 300 milissegundos surge uma ferramenta, uma funcionalidade, um App. Portanto, uma criação, mas onde está o criador?
Por isso, faz-se necessário um novo projeto de psicologia científica que consiga mensurar, processar, analisar e compartilhar, principalmente no que diz respeito ao direcionamento dos recursos humanos alocados conforme suas competências.
Freud, certeiro, afirmou que seria exaustivo.
Em 2024, chegamos em um resultado e seguimos com aquela preocupação citada na carta de Freud, mas mudamos a pergunta: e o que disso tudo? Devemos esperar dificuldades e lentidão no trabalho; no entanto, temos o dever de usar esse tempo de lentidão a nosso favor para definir qual será a ética e as Owner Responsabilities, na implantação dos algoritmos de IA. Diante de uma sociedade, espera-se que não haja exclusão dos indivíduos.
Alguns meses após a primeira carta temática entre os amigos citados acima, mais precisamente em 20 de outubro, Freud se manifestou de maneira muito mais otimista:
“Durante uma noite em que estive muito ocupado… de repente as barreiras caíram por terra, os véus se desfizeram e me foi possível enxergar desde os detalhes das neuroses até os determinantes da consciência. Tudo pareceu encaixar-se e as engrenagens se ajustavam, dando a impressão de que o conjunto era realmente uma máquina que logo começaria a andar sozinha”.
Eis que surge a frase secular “uma máquina que logo começaria a andar sozinha”, Freud, um humano além dos tempos, deixou um legado, agora é conosco…
O que vamos fazer com esse dilema?
Perto de encerrar essa reflexão, usarei uma frase do professor André Filipe[9] citadas no minicurso: Inteligência Artificial, Ética, Sociedade.
Veja a seguir:
“A IA vai liberar o potencial humano”.
Concordo, não de modo tão otimista como Freud relatou na carta, mas, por ter uma característica pessimista e melancólica em relação à vida humana, diante de tanta alienação que poderia ser evitável se houvesse um interesse social que desafiasse os padrões na busca de novas ideias que compartilhassem o bem coletivo.
Enfim, preciso fazer mais uma provocação:
Quais pulsões a IA vai potencializar nos humanos?
Assinale abaixo a sua resposta:
A) Pulsão de Vida
B) Pulsão de Morte
C) Pulsão de Destrutividade
D) Nenhuma das Alternativas
[1] Ulisses Caballi Filho é psicanalista formado pelo CEP e psicólogo pela FMU, com especializações em Psicopatologia (PUC-COGEAE), Psicologia Esportiva (CEEPE) e Violência e Reinserção Social (UNIFESP). Ele possui experiência em Educação, Assistência Social e consultório, cofundou a Tempo Análise. Atualmente, cursa um MBA Executivo no Insper, onde também atua como coordenador operacional de Pós-Graduação Lato Sensu.
[2] Professora da PUCSP, doutora pela USP, Pós-doutora na COPPE-UFRJ e no TIDD PUCSP, Colunista Época Negócios, colaboradora dos jornais O Globo e Valor Econômico. Pesquisadora dos impactos éticos/sociais da IA descrição publicada no https://www.linkedin.com/in/dorakaufman/
[3] Frase de Hamlet, no Ato III, Cena I de A Tragédia de Hamlet. Escrita por William Shakespeare, do ano de 1623.
[4] https://pt.wikipedia.org/wiki/Lilly_e_Lana_Wachowski
[5] https://www.dicio.com.br/etica/
[6] https://dicionario.priberam.org/sociedade
[7] https://app.minhabiblioteca.com.br/reader/books/978-85-309-6411-5/epubcfi/6/14[%3Bvnd.vst.idref%3Dfrontmatter01]!/4/38/3:161[o%20p%2Clan]
[8] FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud Rio de Janeiro: Imago, 1996. 24 v. (1895[1950]). Projeto para uma psicologia científica. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud Rio de Janeiro: Imago, 1996. V. I, p. 335-454
[9] https://www.insper.edu.br/pesquisa-e-conhecimento/docentes-pesquisadores/andre-filipe-de-moraes-batista/
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