Caminhando contra o vento , sem Deus sem sujeito e sem documento… (ou – Chegamos a um panóptico irreversível?)

Caminhando contra o vento1,

sem Deus sem sujeito e sem documento…

(ou – Chegamos a um panóptico irreversível?)

O “olho” de Deus na quipá, o olho do Grande irmão no BB,

o olho de um Poder Global no Panóptico XXI…

O alemão Nietzsche havia aventado a morte de Deus; posteriormente, o francês Foucault estabeleceu a morte do sujeito. Esse sujeito infeliz teve um tempo curtíssimo de vida: desde sua inauguração cartesiana (Colombo descobre a América; Descartes, a subjetividade – emprestado de Feinmann) até seu passamento foucaultiano! Pois agora estamos assim: sem Deus, sem sujeito, num niilismo ecumênico, sem Ciência que nos explique, sem governos que nos atendam, sem mídias que nos honrem – e “agorissimamente” sem medicina que nos lave! E esclareço desde já que não sou discípulo nem de Schopenhauer nem de Cioram, embora os admire e respeite.

Ademais, talvez tenha sido eivado de bondade e misericórdia o tiro de Foucault, posto que, do contrário, o dito sujeito morreria agora de qualquer maneira, porém numa melancolia descomunal e num tédio que nenhum setting psicanalítico amenizaria; morreria diante:

  • do capitalismo de dados ou de vigilância2, veja-se Shoshana Zuboff;
  • da transumanização, , uma eugenia de mercado, portanto capitalista3;
  • dos panópticos (Foucault de novo, ele e Bentham…) “googleanos” [GAFAT: Google (Alphabet Inc.), Apple, Facebook, Amazon, Twiter, quase que uma referência sarcástica a uma língua semítica extinta do sul da Etiópia; o GAFAT domina algo como 90% das redes sociais, embora se estime em torno de 150 o número delas na internet…] pertencentes a não mais do que cinco megaconglomerados;
  • da supervigilância aos cidadãos (formada da soma da sobrevigilância mais a subvigilância, esta bem pior, por mais competentente e espraiada e insidiosa e “voluntária”, muito na linha da efetividade máxima do poder, que é o poder implantado no hábito e no desejo do mandado, como nos ensina Byung Chul Han – “O que é o poder?”; e, também, lembremo-nos de Freud, que nos adverte da dominação psíquica como preparação para a dominação física4);
  • dos ocultos e assaz competentes algoritmos5 hoje em novas dimensões, força e velocidade (travestidos de ciências da conduta – com pesados investimentos de determinados grupos), uma sequência específica e não ambígua de instruções computáveis que, quando aplicadas a um conjunto de dados, leva à solução de um problema ou a realizar certa tarefa planejada; assim, por extensão, trata-se de uma série fixa, de uma ordem de comando (tarefas, ações, raciocínios, disposições…), que, feita de acordo com o passo a passo estipulado, conduz a um resultado pretendido, por exemplo, manipular a opinião pública e as massas de uma dada maneira ou num determinado sentido ou desejo, decidindo antes e estrategicamente o que mostrar e o que não mostrar a cada um e a todos, no que insistir e no que não insistir, etc., e, reforço, aqui não falo de controle exercido por pessoas, mas sim por sistemas independentes, automáticos, informatizados e “algoritmizados”; mas nós, os seres humanos, damos nossa boa cota de contribuição a um tal sistema “algoritmizado” ao “clicarmos” nossos “likes” e “deslikes”, a ponto mesmo de uma “fake” chegar próxima de se metamorfosear em verdade a depender do números de “likes”, que avançam veloz e ferozmente pela onda da dissolução das singularidades, ainda que insistam dissimulada e criminosamente na ideologia de afirmação de individualidades. Vive-se agora esse estranho fenômeno de um modelo virtual imperativo, cujo território de expressão oscila desde a solidão individual até a comunicação impessoal.

Nesse sentido, palavras de Freud de 1927 tanto nos alertam e esclarecem quanto nos atemorizam, partindo-se da premissa de sua verdade. Assim, dizia ele em “O futuro de uma ilusão”:

“É tão impossível passar sem o controle da massa por uma minoria, quanto dispensar a coerção no trabalho da civilização, já que as massas são preguiçosas e pouco inteligentes; não têm amor à renúncia instintual e não podem ser convencidas pelo argumento de sua inevitabilidade; os indivíduos que as compõem apóiam-se uns aos outros em dar rédea livre a sua indisciplina. Só através da influência de indivíduos que possam fornecer um exemplo e a quem reconheçam como líderes, as massas podem ser induzidas a efetuar o trabalho e a suportar as renúncias de que a existência depende. Tudo correrá bem se esses líderes forem pessoas com uma compreensão interna superior das necessidades da vida, e que se tenham erguido à altura de dominar seus próprios desejos instintuais. Há, porém, o perigo de que, a fim de não perderem sua influência, possam ceder à massa mais do que esta a eles; por conseguinte, parece necessário que sejam independentes dela pela posse dos meios de poder à sua disposição.”6

Como formar minha subjetivação num cenário desprovido de valores morais, verdadeiramente humanos, espirituais, éticos, sobretudo sob uma ética cristã e levinasiana? Que tipo de sujeito posso (me) constituir se terei como matéria prima não esses antes citados requisitos, num contexto familiar e nacionais saudável, mas, ao contrário, se me enxertarão microchips, se já andam a tentar o amálgama cérebro-neurônios-chips, se querem – e farão – digitalizar meus pensamentos e desejos?! E o grande rebanho que somos, em que nos tornaram/tornamos, ainda vive feliz no abatedouro sem se dar conta do quanto colabora no rumo ao abate…

Os processos e procedimentos sociais, em que pese a rapidez da informática e do processamento de dados, mais e mais se aprimoram em recursos kafkianos em que o que é buscado/desejado se esconde, ainda que plenamente espetacularizado (e nos alertava Debord…), nunca cessando o estímulo exterior à pulsão do desejo, mas nunca também havendo o livre e honesto acesso à consecução do buscado. Já projetam e pesquisam ativamente técnicas híbridas neuroeletrônicas (ler e configurar um cérebro humano como se fosse um computador)7 de posse e manipulação do desejo de cada um, a fim de que cada qual coabite num desejo único de um só e total todo – e se isso pareceu hegeliano demais, assim o é!

Lamento desapontar aqui a Nietzsche e a Foucault, e outros mais talvez, posto que em mim nem a idéia de Deus morreu tampouco morreu meu sujeito, de quem cuido com carinho e atenção extremados.8

Enfim, como pode o indivíduo hoje criar seu sujeito, ou por outra, que sujeito é esse que se cria a partir de um tal caldo de desvantagens e desfavores? Antes de mais nada, por exemplo, na manada de iguais diplomados pela mídia, pelas academias “fitness” e pelo capitalismo de dados, de espetáculos, “jerk” (veja-se Christopher Surdak), empossados na necessidade de uma criatividade sem fim e um empreendedorismo sempre inovador e protagonista, os quais, pelos livros de autoajuda, qualquer um pode encontrar – e só não vence quem não quer!, em que ricos e fúteis programas matutinos de televisão nos ensinam tudo sobre o corpo e a saúde e a como sermos especiais, você o “personal” de você mesmo, radicalmente diferente dentro do padrão de iguais a cumprir rigorosamente o algoritmo do que é para ser pensado e consumido por todos, frente a essa miscelânea despersonalizadora das individualidades para que a produção encontre seu império e possa fabricar aquilo que dentro da estreita faixa de menos um a mais um desvio-padrão englobe os 66% que consumirão igual, viabilizando o mercado (distopia gaussiana, mas a qual o grande matemático alemão por certo abominaria), frente a isso pois como fica um quesito primordial, definitivo e estruturante que é a autenticidade. O que é ser autêntico? Como se pode ser autêntico? Para que serve isso?

Há uma profusão de denominações para os tempos e sociedades que recentemente temos vivido/somos: era do conhecimento, era da informática, era da incerteza, era da inteligência artificial, era do hipercapitalismo, era da globalização, era do vazio (Lipovetsky); sociedade de risco, sociedade do espetáculo, sociedade-cultura do narcisismo9, sociedade de consumo e sua cultura do descarte, sociedade de crédito, sociedade do condomínio, sociedade do gozo (gozo ilimitado e imediato – quando penso em Lacan e em Birman), em que o gozo é obrigatório: goza e te cura!10 eu mencionaria ainda uma sociedade da horizontalização e de exacerbada imanência (o “eu” absoluto e sua desencarnação), com perda brutal de valores transcendentais, e assim prossegue… Vamos nos recordar de mais uma “era”, a da “Autenticidade”11, como escreveu Charles Taylor.

Autêntico vem do latim “authenticus” que significa original, que responde a si mesmo. A origem da palavra latina é o grego “authentikós”, que significava primordial ou, também, tudo que se relaciona com um poder absoluto. “Authentikós”, por sua vez, deriva de “authentía”, ou seja, poder absoluto, e esta vem de “authentnés”, que traz o sentido de aquele que atua por si mesmo, que toma iniciativa e que é dono absoluto de seus atos.12

Em seu livro, Taylor faz uma ampla revisão dos caminhos da humanidade (sobretudo a ocidental) nos anos subsequentes à Segunda Guerra Mundial e nos mostra como diferentes fatores foram agindo e, pouco a pouco, convergindo para o estabelecimento de uma sociedade, melhor dizer, de uma cultura, fortemente marcada pelo consumo, pelo culto a um suposto poder de si, de sua vida e de seus gostos, uma sociedade que paulatinamente se vai intoxicando de autoestima e sua consequência, a interminável capacidade e direito de escolher, de eleger (elege-te a ti mesmo!) e a consequente perda associada de limites. Mas o que a grande maioria não se dá conta é dos bastidores do processo e da imensa e invisível teia que nos conduz, nos direciona a todos, no sentido das buscas/realizações/expressões “individuais” daquilo exatamente que o “sistema” pretende. Torna-se cada vez mais difícil percebermos nossa alienação tecnocientífica13 ainda que submersos em nosso individualismo multidimensional.

Assim, com a inimaginável oferta de detalhes em todos os tipos de produtos e serviços (e, mesmo, filosofias!) à nossa disposição, alguém até se ilude de que é único ao configurar (chamam de “personalizar” ?!…) seu carro ou sua casa ou, até, seus pensamentos. Porém, isso é assim apenas quando observamos muito de perto esse alguém: à medida que afastamos nossa lente e vamos alargando o campo de visão, descobrimos que aquele alguém único é tão somente mais um, um a mais, na imensa multidão de iguais, com suas imperceptíveis intra/intervariações, mas todos eles idênticos e inautênticos, na medida em que há um modelo, um formato comum que atende satisfatória e folgadamente ao algoritmo do máximo interesse econômico reinante. Noutras palavras – e vale muito ler o texto de Taylor pelo seu passo a passo didático e seu envolvente “crescendo” –, na “Era da Autenticidade”, uma autenticidade globalizada, laboratorialmente desenvolvida como mais um produto de mercado, com a necessária “customização”, passamos a ter, mais do que em qualquer outra era da história, uma fortíssima implantação do inautêntico; eu arriscaria mesmo enunciar mais uma morte: a do autêntico! E na medida em que desabita de mim minha “verdadeira” autenticidade, aquela da real singularidade que sou/deveria ser, vale dizer, mais uma vez, em que eu já não disponho das condições “objetivas” de exercer sobre mim um comando próprio absoluto, tão ao gosto de Descartes (e nos dizia isso Santa Catarina de Siena, com seu amor didático, falando das vozes que falam em nós que não a do Bem; e nos dizia isso Sigmund Freud, escancarando o até então dissimulado e oculto inconsciente), então já não mais podemos experienciar uma subjetivação própria (sei que o pleonasmo dói, todavia se faz necessário), havendo disponível em qualquer WalMart ou Amazon um pacote de subjetivação tribalizada, massificada, coletivizada, para além da sociedade 4.0, para muito além do “Übermensch” de Nietzsche, em realidade uma subjetivação do inumano…

Todavia, ainda percebo aqui e acolá condições para r-estar na luta [para ter sujeito, sujeito de mim e não sujeito a outrem, sujeito de mim e não objeto14 de outrem, sujeito de/a (meus/nossos) valores: amor próprio com alteridade, alteridade com amor próprio (o dentro em harmonia com o fora), amor à razão onde cabe a razão, ao transcendental no plano em que ele “é”, à vida e à simplicidade, aos limites e à poesia, ao imenso e ao finito, ao mistério e à explicação…], r-estar na batalha, em que pese a desproporção, mas os Davids15 continuam a existir, persistir, insistir, resistir!…16

Notas e Referências

Filme recomendado:

“The Lawnmower Man” (1992) (No Brasil, “O passageiro do futuro”.) Diretor: Brett Leonard. Um cientista realiza experimentos com drogas que aumentam a inteligência e realidade virtual num jardineiro simplório. Ele submete o jardineiro a uma programação de aprendizado e este rapidamente se torna brilhante. Mas, então, o jardineiro desenvolve idéias próprias de como a pesquisa deve continuar e o cientista passa a perder o controle.

[1] A escolha desse título alude à conhecida canção, icônica naquele momento, tanto pelo ano quanto pela letra com seu final emblemático do “Por que não, por que não?”, assinalando e antecipando o novo marco moral do sem-limite no que tangia ao poder da nova individualidade que se instalava.

Alegria, Alegria

“Caminhando contra o vento /Sem lenço e sem documento / No sol de quase dezembro / Eu vou

O sol se reparte em crimes / Espaçonaves, guerrilhas / Em cardinales bonitas / Eu vou

Em caras de presidentes / Em grandes beijos de amor / Em dentes, pernas, bandeiras / Bomba e Brigitte Bardot

O sol nas bancas de revista / Me enche de alegria e preguiça / Quem lê tanta notícia

Eu vou / Por entre fotos e nomes / Os olhos cheios de cores / O peito cheio de amores vãos

Eu vou / Por que não, por que não

Ela pensa em casamento / E eu nunca mais fui à escola / Sem lenço e sem documento / Eu vou

Eu tomo uma Coca-Cola / Ela pensa em casamento / E uma canção me consola

Eu vou / Por entre fotos e nomes / Sem livros e sem fuzil / Sem fome, sem telefone / No coração do Brasil

Ela nem sabe até pensei / Em cantar na televisão / O sol é tão bonito

Eu vou / Sem lenço, sem documento / Nada no bolso ou nas mãos /Eu quero seguir vivendo, amor

Eu vou / Por que não, por que não? / Por que não, por que não? / Por que não, por que não?”

Compositor: Caetano Emmanuel Viana Teles Veloso

Álbum: Caetano Veloso

Data de lançamento: 1968

Gravadora: Philips

Gravação: 1967

[2] Os sistemas mundiais de informática dispõem hoje, com facilidade, acerca das pessoas, dentre outros dados: nome, sexo, gênero, raça-etnia, dia de aniversário, idade, dados de saúde, estado civil, ficha criminal, religião, reconhecimento digital, facial, de voz e de retina, números de telefone, endereço de e-mail, conexões, endereço residencial, trabalho, endereço do trabalho, localização em tempo real, remuneração, bancos, contas bancárias, investimentos, cartões de crédito, afiliações políticas e associativas, posição política, relação de contatos, chamadas telefônicas feitas e recebidas, agenda e calendário de eventos, histórico de buscas na internet, vídeos pesquisados e assistidos, vídeos baixados e subidos, sites visitados, histórico de compras e viagens, likes dados, jogos, livros e músicas baixados e/ou comprados, cursos ead feitos…

[3] Dentre outros, ver: Max More, Ronald Bailey, Nick Bostrom, I.J.Good (Irving John Good).

[4] Sigmund Freud. “O futuro de uma ilusão.” Em “O Futuro de uma ilusão, O mal-estar na civilização e outros trabalhos.” Edição standard brasileira das Obras Completas de Freud, Vol. XXI (1927-1931), Rio de Janeiro: Editora Imago, 1996. p. 31.

[5] Palavra de origem árabe derivada do nome do notável matemático Mohamed Ben Musa Alcuarismi. Posteriormente, no latim medieval, deu-se a contaminação com o grego “aritmo” = número.

[6] Sigmund Freud. “O futuro de uma ilusão.” Em “O Futuro de uma Ilusão, O mal-estar na civilização e outros trabalhos.” Edição standard brasileira das Obras Completas de Freud, Vol. XXI (1927-1931), Rio de Janeiro: Editora Imago, 1996. p. 17-18.

[7] Em 2016, com Elon Musk, surge a “Neuralink”, empresa de neurotecnologia com o propósito de integrar o cérebro humano à inteligência artificial. A empresa está focada na criação de dispositivos que podem ser implantados no cérebro humano, a fim de ajudar na fusão entre humanos e softwares e acompanhar os avanços na inteligência artificial.

[8] A respeito, sugiro:

[9] “Estamos numa época em que muito se fala de uma Cultura Narcisista. Como viver e como relacionar-se no mundo do eu, eu, eu … Como ser um entre outros? Uma das facetas do sofrimento psíquico, na contemporaneidade, é a relação consigo próprio e com o(s) outro(s) que, nas redes sociais, multifacetados, imediatos e plurais, assumem contornos extremamente exigentes, totalitários e angustiantes. Além disso, a clínica psicanalítica, também, se depara hoje com os efeitos de novas realidades discursivas. A posição do sujeito frente à droga, ao alimento, à sexualidade, enfim, ao objeto, nos traz novas nuances clínicas.”

Psicanalista Rita Bícego Vogelaar, membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano (EPFCL-Brasil) e do Fórum do Campo Lacaniano de São Paulo (FCL-SP).

[10] Desenvolvendo a questão do atual autocentramento exagerado, Birman diz: “Além disso, o autocentramento se evidencia no registro sexual, nas formas corriqueiras pelas quais o indivíduo realiza a predação do corpo do outro. Por meio da predação, o sujeito empreende também a estetização de seu eu, por um outro viés, polindo seu brilho pelo cultivo infinito da admiração do outro. Constitui-se aqui a manipulação do outro como técnica de existência para a individualidade, maneira privilegiada para a exaltação de si-mesmo. Com efeito, para o sujeito não importam mais os aspectos, mas a tomada do outro como objeto de predação e gozo, por meio do qual se enaltece e glorifica.” Joel Birman, em Mal-estar na atualidade – a psicanálise e as novas formas de subjetivação. 9ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. p. 180.

[11] TAYLOR, Charles. A ética da autenticidade. [The ethics of authenticity (1992).] [Trad.: Talyta Carvalho.] Editora É Realizações, 2011. 128 p. https://www.erealizacoes.com.br/produto/a-etica-da-autenticidade

[12] O elemento “aut” é o mesmo que consta em palavras como autogoverno, autarquia, autonomia, autômato, autodidata, autoestima, etc.

[13] “Então, o que muda com a globalização dos dispositivos é a maneira de lidar com o mal-estar na civilização. As tecnociências estão agora servindo ao discurso do capitalista. Discursos e ideologias combinam (ou se opõem) na promessa fetichista e fundamentalista de um mundo de completude. Um mundo em que seria possível domesticar a pulsão e aproveitar o gozo para estar em harmonia com seu corpo. Essa busca por suturar o real através de dispositivos técnicos leva a representar o espaço social como algo homogêneo, sem contradições internas, enquanto se aguarda a extração e acumulação de recursos (humanos). Os indivíduos são forçados a enfrentar e se submeter a uma versão globalizada da alienação tecnocientífica. O projeto de dominação das pessoas (inteligência artificial, neurociência, cyborg, etc.), que algumas multinacionais do digital não hesitam mais em exibir (Google X Lab, por exemplo), só pode se opor à idéia de uma sociedade política concebida como essencialmente incompleta, como Hannah Arendt em 1958 pensava.”

Jean-Luc Gaspard, Nelson da Silva Junior. Les subjectivites de notre temps. ECOS, v. 4, n. 1: 90-100, 2014.

Disponível em: http://www.periodicoshumanas.uff.br/ecos/article/view/1299/985. Acesso em: 10/março/2020.

[14] Sujeito (sujeitar) vem do latim “subiectus”, do prefixo “sub” = debaixo, mais o verbo “iacere”, que é arremessar. Então a idéia de sujeito é aquilo que está arremessado abaixo, que tanto pode estar submisso ou subordinado, quanto pode ser suporte.

A palavra objeto vem do latim “obiectus”, formada do prefixo “ob”, que significa sobre, em cima, mais o verbo “iacere”, que é arremessar. Originalmente “obiectus” designava algo de pouco valor, que se podia jogar sem preocupações.

[15] Ver “Velho Testamento”: 1 Samuel, Capítulo 17.

[16] Existir vem do latim “existere”, com sentido de aparecer, emergir, ser. Composta do prefixo “ex” = para fora, e o verbo “sistere” = tomar posição, estar fixo. Com esse verbo também se formam as palavras persistir, insistir, resistir, etc. “Sistere” é vinculado com a raiz indo-europeia “sta”, igual a estar em pé, presente no grego “status”, situação de estar parado em equilíbrio como em estática, próstata, metástase.

Persistir: “per” = através de, por completo + “sistere”. Portanto, o sentido é de manter-se firmemente parado.

Insistir: “in” = em, interioridade, valor intensivo + “sistere”. Portanto, o sentido é pôr-se sobre e manter-se, apoiar-se, aplicar-se a algo com insistência.

Resistir: “re” = desde atrás, para trás, de novo + “sistere”. Portanto, o sentido é tolerar, combater uma força.