Quando Freud falou de seu desejo (segredo) a Gog

(Ou o poeta é o duplo do psicanalista ou o psicanalista é o duplo do poeta…)

Fausto Antonio de Azevedo

“Sempre foi muito atraente para nós, leigos, poder saber de onde o poeta [Dichter], esta extraordinária personalidade, extrai seus temas (…) e como ele consegue nos comover tanto, despertarmos emoções [Erregungen], que talvez julgássemos jamais fôssemos capazes de sentir. Nosso interesse neste caso só cresceu devido à circunstância de que o próprio poeta, quando perguntado a respeito, não nos fornece nenhuma informação ou nenhuma que seja satisfatória de tal modo que ele não é perturbado pelo nosso conhecimento, de que o melhor juízo acerca das condições da escolha do material poético e da essência da arte de plasmar poeticamente em nada contribuiria para fazer de nós mesmos poetas.”
O poeta e o fantasiar, 19081
Sigmund Freud

Giovanni Papini, Gog,
Coleção: Catavento; 16
Editora: Globo RS
Ano: 1932

 

Giovanni Papini

“Gog” foi um alguém/personagem inédito, um alguém que incorpora muitos dos traços que poderíamos considerar maus (mau caráter constante por exemplo, cínico, egoísta, cruel), mas que, simultaneamente, suscita a simpatia do leitor e denuncia males terríveis como hipocrisia, fingimento, engano, inveja. Bilionário, ele (Goggins, que minimizou seu nome para três letras apenas, a fim de o identificar com o personagem Gog, do Apocalipse, o Rei de Magog: “E, acabando-se os mil anos, Satanás será solto da sua prisão, E sairá a enganar as nações que estão sobre os quatro cantos da terra, Gogue e Magogue, cujo número é como a areia do mar, para as ajuntar em batalha.” / Apocalipse, XX, 7-82), em setenta capítulos, pesquisa as razões que fazem deste mundo um lugar “cada vez mais assustador e perigoso”. O “Livro Negro”, com os textos de “Gog”, é uma obra bastante audaciosa, crítica, instigante, controversa, filosófica e satírica de quantas toda a literatura já nos ofereceu. Como tudo indica, Gog era um excêntrico bilionário havaiano que enjoou dos negócios e decidiu viajar pelo mundo entrevistando personagens da época. Giovanni Papini o teria conhecido por meio de umas pastas que um louco lhe dera. Ninguém sabe se Gog realmente existiu ou se não passou de uma “fantasia” do autor, mas, a segunda parte dos escritos, diz Papini, foi-lhe enviada pelo próprio Gog e Papini a compilou num novo livro, editado em 1952, intitulando-o de o “Livro Negro”. O certo é que os escritos de Gog despertam e realçam as constantes aflições da alma humana e procuram respostas “para os males de uma sociedade doente e louca, empenhada em sua autodestruição”3.

A história trazida por Gog e que nos interessa é a seguinte:

“Em maio de 1934, dois dias após ter comemorado seu septuagésimo oitavo aniversário, Sigmund Freud, cansado desse gênero de festas que, segundo ele, apenas remetem à ideia da morte, confessa seu segredo mais íntimo: sempre desejou ser um escritor. Seu interlocutor-confessor é o escritor italiano Giovanni Papini (…), que havia enviado, como presente ao ‘patriarca da psicanálise’, uma estatueta grega em mármore representando Narciso acompanhada de uma carta em homenagem ao ‘descobridor do narcisismo’. Em resposta, seguiu-se imediatamente da parte de Freud um convite ao escritor para um encontro.

“Intitulado ‘A Visit to Freud’, o relato de Papini, cuja veracidade é questionada, quase não é conhecido na literatura psicanalítica, ainda que autores franceses o citem de passagem. O texto figura na coletânea ‘Freud as we knew him’, tendo sido publicado primeiramente sob o título de ‘Two Visits’, em 1934, no periódico britânico Colosseum.”4)

O italiano Giovanni Papini (Florença, 9/janeiro/1881 – Florença, 8/julho/1956) foi escritor, poeta, filósofo, poliglota, crítico, jornalista, fundador e editor de revistas – e bibliotecário! Filho de pai ateu, ele próprio de início também descrente, passou a católico fervoroso. Esta conversão vivida, sofrida, confessada, é historiada por ele em relatos na obra “La seconda nascita”, publicada no Brasil como “Meu encontro com Deus”, e, por algum motivo, me faz pensar naquela de Santo Agostinho (ou melhor, o próprio Papini se interessou e escreveu a respeito: Santo Agostinho – estudo sobre a psicologia da conversão). A obra de Papini é vasta (segundo Jorge Luis Borges, “Papini foi injustamente esquecido”), traduzida para diversos idiomas, e consta de livros do seu tempo não converso e outros muito importantes, de cunho religioso, como “História de Cristo”, “Cartas do Papa Celestino VI” e “O juízo final”.

Passemos ao caso de Freud então, à visita…

“Em maio de 1934, dois dias após ter comemorado seu septuagésimo oitavo aniversário, Sigmund Freud, cansado desse gênero de festas que, segundo ele, apenas remetem à ideia da morte, confessa seu segredo mais íntimo: sempre desejou ser um escritor” (Ávila Pinto, 2009)5. Assim, no relato de Gog, a psicanálise, para Freud, seria o produto de uma “transposição” para a ciência de um pendor literário:

“Homem de letras por instinto e médico por força das circunstâncias, concebi a ideia de transformar um ramo da medicina – a psiquiatria – em literatura. Ainda que sob a aparência de cientista, fui e continuo sendo poeta e romancista: a Psicanálise não passa da transposição de uma vocação literária para o campo da psicologia e da patologia.”

(Ver abaixo texto na íntegra)

E Freud deixou escapar também sua permanente sensação de solidão, em que pesasse a fama de que já desfrutava:

“A sua visita é um grande conforto para mim. Você não é doente, nem colega, nem discípulo, nem parente. Vivo o ano todo entre histéricos e obcecados que me contam suas leviandades – quase sempre as mesmas -; entre médicos que me invejam quando não me desprezam, e com discípulos que se dividem em papagaios crônicos e cismáticos ambiciosos. Com você posso finalmente falar livremente. Eu ensinei a outros a virtude da confissão e nunca fui capaz de abrir totalmente minha alma. Escrevi uma pequena autobiografia, mas principalmente para fins de propaganda e, se alguma vez confessei, foi, por fragmentos, no Traumdeutung*. Ninguém sabe ou adivinhou o verdadeiro segredo do meu trabalho.”

(*interpretação dos sonhos)

(Ver abaixo texto completo)

Quanto à tendência do literário, Freud é enérgico e radical quando diz a Gog: “Eis uma prova irrefutável: em todos os países onde a Psicanálise penetrou, ela foi melhor compreendida e aplicada por escritores e artistas que por médicos.” E, para os incautos, ele já havia ido além:

“Na França o interesse pela psicanálise começou entre os homens de letras. A fim de compreender isso, deve-se ter em mente que, desde a época em que foi escrita A Interpretação de Sonhos a psicanálise deixou de ser um assunto puramente médico. Entre seu surgimento na Alemanha e na França está a história de suas numerosas aplicações a departamentos de literatura e estética, à história das religiões e à pré-história, à mitologia, ao folclore, à educação, e assim por diante. Nenhuma dessas coisas tem muito a ver com a medicina; de fato, é somente através da psicanálise que estão ligadas a ela. Não me cabe, portanto, entrar em grandes detalhes quanto a elas nestas páginas. Não posso, contudo, silenciar inteiramente sobre elas, pois, por um lado, são essenciais a uma apreciação correta da natureza e do valor da psicanálise, e, por outro, comprometi-me, afinal de contas, a fazer um relato da obra principal da minha vida. Os primórdios da maioria dessas aplicações da psicanálise serão encontrados em minhas obras. Aqui e ali segui um pouco a trilha a fim de gratificar meus interesses não médicos. Posteriormente, outros (não somente médicos, mas também especialistas nos vários campos) seguiram as minhas pegadas e penetraram a fundo nos diferentes temas. Mas visto que meu programa me limita a mencionar minha própria parcela nessas aplicações da psicanálise, posso apenas apresentar um quadro bem inadequado de sua extensão e importância.”6

“Decerto, a psicanálise ultrapassou os limites da ciência médica, atingindo em particular os domínios da literatura, das artes, da história, da sociologia, da filosofia e da pedagogia”, é como nos diz Ana Pinto7.

Sabemos que é extensa, acalorada e interminável a discussão: os assuntos da alma, do psiquismo, não são médicos, por óbvio. À medicina, sem dúvida, cabe bem aquilo que diz respeito ao cérebro, suas estruturas, sua fisioanatomia, sua dinâmica, mas aquilo que está para além de neurotransmissores, de agonistas e receptores, de sítios ativos, independe claramente da ciência médica. Neste ponto recordo o grande filósofo espanhol Gustavo Bueno e uma certa tira de humor que mostrava sua aventura “Todo es química!”, algo que era enunciado pelo bioquímico espanhol, vencedor de um Nobel de Fisiologia ou Medicina (1959) pelas pesquisas com RNA, Dom Severo Ochoa. Para satirizar tal fundamentalismo científico, Bueno se aproxima do premiado após uma exposição e lhe pergunta se, sendo tudo química, um dado compêndio de química o seria também, ao que Dom Ochoa jubilosamente responde que sim, posto que queimado e analisado o livro revelaria apenas átomos de carbono, oxigênio, hidrogênio, etc., e Bueno, um tanto socrático, o interpela “Entonces, si el libro es química, estas dos letras de aquí están unidas por enlaces iónicos o covalentes?”.8

Bem verdade que os efeitos das aflições, quando ganham repercussão corpórea, podem e devem ser tratados farmacologicamente – mas na dose e tempo certos! Alguns diriam que assuntos da alma calham mais para religiosos ou místicos ou psicólogos e psicanalistas ou filósofos e antropólogos – ou até mesmo escritores e poetas, ou alguém ousaria dizer que Dostoiévsky e Machado e Pessoa nada entendem das profundidades da alma humana? Freud já nos dera uma pista e nos abriu o panorama em “A questão da análise leiga” (1927), que era aquela levada a efeito por um psicanalista de formação anterior não médica. Ele advogou a possibilidade de os treinados em psicanálise a exercerem sem subordinação a uma graduação em medicina, o que se alinhava com seu empenho em manter a independência do movimento psicanalítico daquilo que percebia como monopólio médico pelo resto da vida, e sempre recebeu não médicos como praticantes da psicanálise. Entendia a psicanálise como uma área profissional completa, com episteme própria: “A prática da psicanálise tem muito menos necessidade de formação médica do que de uma preparação educacional em psicologia e livre percepção humana. A maioria dos médicos não está preparada para o trabalho da psicanálise”9. A obra freudiana suparacitada – “A questão da análise leiga” – teve sua gênese no fato de que Theodor Reik (psicanalista vienense, licenciado em filosofia e letras, e com doutorado em psicologia pela Universidade de Viena, 1912, com um estudo sobre a ‘”Tentação de Santo Antônio” de Gustave Flaubert) precisou exigir seu direito legal de praticar a psicanálise, uma vez que fora acusado de exercício ilegal da medicina. Freud afirmou “a luta pela análise leiga deve ser travada uma hora ou outra. Melhor agora que depois. Enquanto eu estiver vivo, vou impedir que a psicanálise seja tragada pela medicina”10. Por certo, tal acusação (a Reik) não foi gratuita, posto que, comentou Lacan, a psicanálise surgiu, aos fins do século XIX, como a mais fina flor da medicina para tratar de sintomas causados pelas aflições que acometem os seres de linguagem, isto é, os ditos humanos.

Reconhecendo a parte de imaginação ou de fantasia presente em seus livros, Freud chega mesmo a precisar, para Papini, que seu desejo mais antigo e mais intenso era de escrever verdadeiros romances. Admite até mesmo possuir material de primeira mão que faria a alegria de alguns romancistas. Ele confessa:

“Que minha cultura é essencialmente literária é amplamente demonstrado por minhas citações contínuas de Goethe, Grillparzer, Heine e outros poetas: a forma de minha mente é inclinada ao ensaio, ao paradoxo, ao drama, e não tem nada da rigidez pedante e técnica do verdadeiro homem de ciência. (…)

“Meus livros, por outro lado, são muito mais obras da imaginação do que tratados de patologia. Meus estudos sobre a vida cotidiana e sobre os movimentos do espírito são literatura verdadeira e genuína, e em Totem e Tabu até exercitei o romance histórico. Meu mais antigo e tenaz desejo seria escrever romances de verdade; tenho um tesouro de materiais de primeira mão que fariam a fortuna de cem romancistas. Mas receio que agora seja tarde demais.”

(Ver abaixo texto completo)

Os escritos de Freud, deveras, exibem muito de “literário”. Ele não negou. Seu livro sobre da Vinci, diz ele que poderia ser considerado um “romance psicanalítico”. O primeiro esboço de Der Mann Moses und die monotheistische Religion (Moisés e a religião monoteísta) fora reveladoramente denominado de “O homem Moisés, romance histórico” e Freud o apontava como um romance que não lhe saía da cabeça11.

Já em certa ocasião ele escrevera para sua então noiva Martha:

“Tenho uma surpresa para você. Não sei quantas histórias me vêm sem cessar à cabeça das quais uma – um conto oriental – tomou recentemente uma forma bastante precisa. Você ficará surpreendida em saber que me torno consciente de uma agitação literária em mim (…)”12

E Freud confidencia, então, a Gog:

Em todo caso, consegui superar meu destino e realizar meu sonho: continuar sendo um literato mesmo aparentemente atuando como médico. Em todos os grandes homens da ciência existe o sopro da fantasia, a mãe de brilhantes intuições, mas nenhum se propôs, como eu, a traduzir em teorias científicas as inspirações oferecidas pelas correntes da literatura moderna. Na psicanálise se encontram, expressas no jargão científico, as três maiores escolas literárias do século XIX: Reine, Zola e Mallarmé juntam-se a mim, sob o patrocínio do meu antigo Goethe.

(Ver abaixo texto completo)

A lista dos “namoros” de Freud com grandes escritores e poetas (os “Dichter”) é longa e inclui o Goethe, é claro, Shakespeare, Schiller, Hoffmann, Heine, Dostoiévski, Schnitzler (duplo?), Rolland, Stefan Zweig, Zola…13 Uma demonstração nítida de bom gosto, erudição e preocupação com o texto, com a narrativa, em essência, com a palavra – a palavra que gera curas…

Freud, um apreciador de enigmas, teria intencionalmente feito suas confissões a uma pessoa que, é provável, não tinha intensão nenhum de guardar segredos? Papini-Gog era, como mencionado, escritor de muita verve, crítico e polêmico; portanto, Freud, que longe estava de qualquer forma de ingenuidade, pretenderia o quê? O diálogo entre ambos (e o texto de Gog) assim termina:

“Ninguém percebeu este mistério que está à vista e eu não o teria revelado a ninguém se você não tivesse a boa ideia de me dar uma estátua de Narciso.

“Nesse ponto a conversa mudou; falamos sobre a América, Keyserling e, finalmente, os vestidos das mulheres vienenses. Mas a única coisa que vale a pena colocar no papel é o que já escrevi. No momento em que me despedi de Freud, ele recomendou silêncio acerca de sua confissão: – ‘Felizmente, você não é escritor nem jornalista e tenho certeza de que não divulgará meu segredo’.

“Eu o tranquilizei, e sinceramente: essas notas não se destinam a ser impressas.”

(Ver abaixo texto completo)

Praticamente todos os que se debruçam sobre a obra de Freud com afinco de bom leitor, declaram que se trata de um escritor exímio (afinal, ele foi agraciado com o Prêmio Goethe de 1930). Tal constatação tende a reforçar a hipótese de que, verdadeiramente, ele se colocava nessa posição, e, é provável, todo o texto psicanalítico – a “bruxa” de metapsicologia – só aconteceu porque o autor, ao lado da capacidade para captar as profundezas de nossos sentimentos e seus esconderijos, trazia também em si o dom da escrita, a escrita como inventora, construtora e definidora de razões e de realidades.

Foi necessária, e fez-se imprescindível para o embasamento conceitual da obra escrita de Freud, uma ciência da literatura (“Literaturwissenschaft”). Assim, ele prospectou nos clássicos da literatura a inspiração totalizante que se ajustasse ao cânone científico ao qual intentava afiliar a nascente psicanálise (uma ciência do/para o inconsciente). Ora, tal objeto de estudo – o inconsciente – é, como se sabe, inapreensível, indomável, inajustável a métodos laboratoriais de experimentação e indeterminado em certa extensão; restou então a Freud, e o fez brilhantemente, socorrer-se de um recurso acolá da camisa de força do método científico (o qual, embora nos forneça conhecimento seguro e tão verdadeiro quanto possível, não é o único que produz saber) que foi precisamente o construto literário “estabelecendo uma interlocução profícua entre domínios distintos, mas não mutuamente alheios”14. Freud entendeu, para o caso, o “escritor/poeta” como um duplo do psicanalista (“Doppelgänger”, segundo os bons dicionários algo como sósia), portanto um bipolo caracterizado muito mais pela estranheza entre ambos do que por suas coincidências, fato que não permite que um seja inteiramente absorvido pelo outro. Em linguagem matemática da Teoria dos Conjuntos, haveria um dado grau de intersecção entre eles, mas nunca a união. A primeira mostra-se, portanto, extremamente vantajosa, na medida em que é da inspiração e da ousadia do discurso poético que podem brotar “insights” que depois, pelo ajuste do/ao discurso lógico-científico, e pela experiência da clínica, irão compondo a regra de um metatexto de sustentação da teoria. É dessa tensão permanente, neurotizante, entre ser poeta e ser psicanalista, não ficando por inteiro nem um nem outro, e estando com a alma simultaneamente aqui e lá, que pode surgir a força para vencer as próprias fraquezas, a imensidão para vencer os próprios limites, o silêncio para vencer os próprios arroubos, e colocar-se inteiramente à disposição do outro, que nos é, também ao mesmo tempo, verso e prosa, rima e silogismo, símbolo e concretude.

E por muito oportuno, no exato momento em que eu fechava esse breve e acanhado texto, meu imbróglio de poesia e psicanálise, mas com o louvor de acentuar a importância da língua e seus recursos para a prática da invenção freudiana, deparo-me com esse perturbador e atualíssimo alerta da psicanalista Elizandra Souza:

“Psicotização da língua portuguesa

‘Para além da questão gramatical, penso na dificuldade de inserção simbólica (e na linguagem) a que estas “invençoes” submetem. Uma espécie de psicotização da língua, onde as nuances dos sentidos, próprias do simbolismo interpretativo desaparecem. Se para o psicótico “o que é, é” e a construção de significados é prejudicada pelo seu concretismo, na medida que se tenta concretizar a língua para ela dar conta da impossibilidade de simbolização evidencia-se a enorme dificuldade que temos de interpretação. Somente quem não consegue entender e abstrair significados precisa de linguagem neutra, pois não consegue se descolar e produzir sentidos, ou seja, a própria dificuldade de interpretação que vemos todos os dias.

“A linguagem é parte extremamente importante da constituição subjetiva. Inserir-se numa linguagem diz da possibilidade simbólica de fazer parte de uma cultura, de uma sociedade. Forçar para que se inclua pronomes ou adjetivos neutros como forma de inclusão é desconsiderar que a própria língua abarca interpretações e sentidos que dizem do modo de operação simbólica de cada sujeito, isto é, da própria construção de identidade. Exemplo: vc não se torna americano porque fala inglês!!!

“Além disso, uma língua neutra não diminui preconceitos, mas revela o abismo gigante entre palavra, símbolo, interpretação e o reconhecimento de si e do outro – diz do incomunicável!”15.

(http://www.librosmaravillosos.com/gog/index.html)

Sección 3

Visita a Freud

Contenido:

  1. Visita a Freud (p. 63-67)

Viena, 8 mayo

Había comprado en Londres, hacía dos meses, un hermoso mármol griego de la época helenista, que representa, según los arqueólogos, a Narciso. Sabiendo que Freud cumplía anteayer sus setenta años -nació el 6 de mayo de 1856- le envié como regalo la estatua, con una carta de homenaje al «descubridor del Narcisismo».

Este regalo bien elegido me ha valido una invitación del patriarca del Psicoanálisis. Ahora vuelvo de su casa y quiero, inmediatamente, apuntar lo esencial de la conversación.

Me ha parecido un poco abatido y melancólico.

-Las fiestas de los aniversarios -me ha dicho- se parecen demasiado a las conmemoraciones y recuerdan demasiado a la muerte.

Me ha impresionado el corte de su boca: una boca carnosa y sensual, un poco de sátiro, que explica visiblemente la teoría de la «libido». Se ha mostrado contento, sin embargo, al verme y me ha dado las gracias, con calor, por el Narciso.

-Su visita constituye para mí un gran consuelo. Usted no es ni un enfermo, ni um colega, ni un discípulo, ni un pariente. Yo vivo todo el año entre histéricos y obsesos que me cuentan sus liviandades -casi siempre las mismas-; entre médicos que me envidian cuando no me desprecian, y con discípulos que se dividen en papagayos crónicos y en ambiciosos cismáticos. Con usted puedo, al fin, hablar libremente. He enseñado a los demás la virtud de la confesión y no he podido nunca abrir enteramente mi alma. He escrito una pequeña autobiografía, pero más que nada para fines de propaganda, y si alguna vez he confesado, ha sido, por fragmentos, en la Traumdeutung. Nadie conoce o ha adivinado el verdadero secreto de mi obra.

¿Tiene una idea del Psicoanálisis?

Contesté que había leído algunas traducciones inglesas de sus obras y que únicamente para verle habla venido a Viena.

-Todos creen -añadió- que yo me atengo al carácter científico de mi obra y que mi objetivo principal es la curación de las enfermedades mentales. Es una enorme equivocación que dura desde hace demasiados años y que no he conseguido disipar. Yo soy un hombre de ciencia por necesidad, no por vocación. Mi verdadeira naturaleza es de artista. Mi héroe secreto ha sido siempre, desde la niñez Goethe.

Hubiera querido entonces llegar a ser un poeta y durante toda la vida he deseado escribir novelas. Todas mis aptitudes, reconocidas incluso por los profesores del Instituto, me llevaban a la literatura. Pero si usted tiene en cuenta las condiciones en que se hallaba la literatura en Austria en el último cuarto del siglo pasado, comprenderá mi perplejidad. Mi familia era pobre, y la poesía, según testimoniaban los más célebres contemporáneos, rendía poco o demasiado tarde. Además era hebreo, lo que me ponía en condiciones de manifiesta inferioridad en uma monarquía antisemita. El destierro y el mísero fin de Heine me desalentaban. Elegí siempre bajo la influencia de Goethe, las ciencias de la Naturaleza. Pero mi temperamento continuaba siendo romántico: en 1884, para poder ver algunos días antes a mi novia, alejada de Viena. Emborroné un trabajo sobre la coca y me dejé arrebatar por otros la gloria y las ganancias del descubrimiento de la cocaína como anestésico.

»En 1885 y 1886 viví en París; en 1889 permanecí algún tiempo en Nancy. Estas permanencias en Francia ejercieron una decisiva influencia sobre mi espíritu. No sólo por lo que aprendí de Charcot y de Bernheim, sino también porque la vida literaria francesa era, en aquellos años, riquísima y ardiente. En París, como buen romántico, pasaba horas enteras en las torres de Notre Dame, pero por las noches frecuentaba los cafés del barrio latino y leía los libros más en boga en aquellos años. La batalla literaria se hallaba en pleno desarrollo. El Simbolismo levantaba su bandera contra el Naturalismo. El predominio de Flaubert y de Zola se iba sustituyendo, entre los jóvenes, por el de Mallarmé y de Verlaine. Al poco de haber llegado yo a París apareció A rebours, de Huysmans, discípulo de Zola, que se pasaba al decadentismo. Y me hallaba en Francia cuando se publicó Jadis et naguére, de Verlaine, y fueron recogidas las poesías de Mallarmé y las Illuminations, de Rimbaud. No le doy estas noticias para alardear de mi cultura, sino porque estas tres escuelas literarias -el Romanticismo, hacía poco tiempo muerto, el Naturalismo, amenazado, y el Simbolismo naciente- fueron las inspiraciones de mi trabajo ulterior.

»Literato por instinto y médico a la fuerza, concebí la idea de transformar una rama de la medicina -la psiquiatría- en literatura. Fui y soy poeta y novelista bajo la figura de hombre de ciencia. El Psicoanálisis no es otra cosa que la transformación de una vocación literaria en términos de psicología y de patología.

»El primer impulso para el descubrimiento de mi método nace, como era natural, de mi amado Goethe. Usted sabe que escribió Werther para librarse del íncubo morboso de un dolor: la literatura era, para él, «catarsis». ¿Y en qué consiste mi método para la curación del histerismo sino en hacérselo contar «todo» al paciente para librarle de la obsesión? No hice nada más que obligar a mis enfermos a proceder como Goethe. La confesión es liberación, esto es, curación. Lo sabían desde hace siglos los católicos, pero Víctor Hugo me había enseñado que el poeta es también sacerdote, y así sustituí osadamente al confesor. El primer paso estaba dado.

»Me di cuenta bien pronto de que las confesiones de mis enfermos constituían um precioso repertorio de «documentos humanos». Yo hacía, por tanto, un trabajo idéntico al de Zola. Él sacaba, de aquellos documentos, novelas; yo me veia obligado a guardarlos para mí. La poesía decadente llamó entonces mi atención sobre la semejanza entre el sueño y la obra de arte y sobre la importancia del lenguaje simbólico. El Psicoanálisis había nacido, no, como dicen, de las sugestiones de Breuer o de los atisbos de Schopenhauer y de Nietzsche, sino de la transposición científica de las Escuelas literarias amadas por mí.

»Me explicaré más claramente. El Romanticismo, que, recogiendo las tradiciones de la poesía medieval, había proclamado la primacía de la pasión y reducido toda pasión al amor, me sugirió el concepto del sensualismo como centro de la vida humana. Bajo la influencia de los novelistas naturalistas, yo di del amor uma interpretación menos sentimental y mística, pero el principio era aquél.

»El Naturalismo, y sobre todo Zola, me acostumbró a ver los lados más repugnantes, pero más comunes y generales, de la vida humana; la sensualidad y la avidez bajo la hipocresía de las bellas maneras: en suma, la bestia en el hombre. Y mis descubrimientos de los vergonzosos secretos que oculta el subconsciente no son más que una nueva prueba del despreocupado acto de acusación de Zola.

»El Simbolismo, finalmente, me enseñó dos cosas: el valor de los sueños, asimilados a la obra poética, y el lugar que ocupan el símbolo y la alusión en el arte, esto es, en el sueño manifestado. Entonces fue cuando emprendí mi gran libro sobre la interpretación de los sueños como reveladores del subconsciente, de esse mismo subconsciente que es la fuente de la inspiración. Aprendí de los simbolistas, que todo poeta debe crear su lenguaje, y yo he creado, de hecho, el vocabulario de los sueños, el idioma onírico.

»Para completar el cuadro de mis fuentes literarias, añadiré que los estúdios clásicos, realizados por mí como el primero de la clase- me sugirieron los mitos de Edipo y de Narciso; me enseñaron, con Platón, que el estro, es decir, el surgir del inconsciente, es el fundamento de la vida espiritual, y finalmente, con Artemidoro, que toda fantasía nocturna tiene su recóndito significado.

»Que mi cultura es esencialmente literaria lo demuestran abundantemente mis continuas citas de Goethe, de Grillparzer, de Heine, y de otros poetas: la forma de mi espíritu se halla inclinada al ensayo, a la paradoja, al dramatismo, y no tiene nada de la rigidez pedante y técnica del verdadero hombre de ciencia. Hay uma prueba irrefutable: en todos los países en donde ha penetrado el Psicoanálisis há sido mejor entendido y aplicado por los escritores y por los artistas que por los médicos.

Mis libros, por otra parte, se asemejan mucho más a las obras de imaginación que a los tratados de patología. Mis estudios sobre la vida cotidiana y sobre los movimientos del espíritu son verdadera y genuina literatura, y en Tolera y Tabú me he ejercitado incluso en la novela histórica. Mi más antiguo y tenaz deseo sería escribir verdaderas novelas; poseo un tesoro de materiales de primera mano que harían la fortuna de cien novelistas. Pero temo que ahora sea demasiado tarde.

»De todos modos he sabido vencer soslayadamente, mi destino, y he logrado mi sueño: continuar siendo un literato aun haciendo, en apariencia, de médico. Em todos los grandes hombres de ciencia existe el soplo de la fantasía, madre de las intuiciones geniales, pero ninguno se ha propuesto, como yo, traducir en teorias científicas las inspiraciones ofrecidas por las corrientes de la literatura moderna Em el Psicoanálisis se encuentran y se compendian, expresadas en la jerga científica, las tres mayores Escuelas literarias del siglo XIX: Reine, Zola y Mallarmé se unen em mí, bajo el patronato de mi viejo Goethe. Nadie se ha dado cuenta de este mistério que está a la vista y no lo hubiera revelado a nadie si usted no hubiese tenido la óptima idea de regalarme una estatua de Narciso.

Al llegar a este punto, la conversación se desvió; hablamos de América, de Keyserling y finalmente, de los vestidos de las vienesas. Pero lo único que vale la pena de ser consignado en el papel es lo que ya he escrito. En el momento de despedirme de Freud, éste me recomendó el silencio acerca de su confesión: -Usted no es escritor ni periodista por fortuna y estoy seguro de que no difundirá mi secreto.

Le tranquilicé, y con sinceridad: estos apuntes no están destinados a ser impresos.

Notas e referências

[1] Sigmund FREUD. Arte, literatura e os artistas. [Tradução: Ernani Chaves.] (Obras incompletas de Sigmund Freud) Belo Horizonte: Autêntica, 2017. p. 53.

(Trata-se de um livro saboroso e obrigatório para quem se interessa pelo tema.)

 

[2] Bíblia online: https://www.bibliaon.com/versiculo/apocalipse_20_8/ . Ver mais em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Gogue_e_Magogue. Acessado em 15/out/2020.

 

[3] Ver: “GOG de Giovanni Papini”, de Joaquín Álvarez-Coque, em:

https://www.todoliteratura.es/noticia/1269/criticas/gog-de-giovanni-papini.html. Acessado em 10/out/2020.

 

[4] Ana Paula de Ávila Pinto. Uma ficção: o escritor Freud. Artefilosofia, Ouro Preto, n.7, p. 130-140, out.2009. Disponível em: https://periodicos.ufop.br:8082/pp/index.php/raf/article/view/677. Acessado em 29/out/2020.

 

[5] Idem.

 

[6] FREUD, Sigmund. Um estudo autobiográfico (1925-1924), Inibições, sintomas e ansiedade, A questão da análise leiga e outros trabalhos. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. XX (1925-1926). Rio de Janeiro: Imago Editora, 1976. p. 15-78.

 

[7] Ana Paula de Ávila Pinto. Uma ficção: o escritor Freud. Artefilosofia, Ouro Preto, n.7, p. 130-140, out.2009. Disponível em: https://periodicos.ufop.br:8082/pp/index.php/raf/article/view/677. Acessado em 29/out/2020.

 

[8] Gustavo Bueno. La vuelta a la caverna – Documental completo (altura dos 12’28”). Ver em: https://www.youtube.com/watch?v=R-0Eg-tcGFU&t=749s&ab_channel=GustavoBueno.Lavueltaalacaverna

 

[9] GAY, Peter. Freud: uma vida para o nosso tempo. [Tradução.: Denise Bottmann.] 2ª. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 495.

 

[10] Idem, p. 494.

 

[11] Ana Paula de Ávila Pinto. Uma ficção: o escritor Freud. Artefilosofia, Ouro Preto, n.7, p. 130-140, out.2009. Disponível em: https://periodicos.ufop.br:8082/pp/index.php/raf/article/view/677. Acessado em 29/out/2020.

 

[12] Carta de Freud a Martha Bernays, de 1° de abril de 1884, cf. Ernest Jones (La vie et l’oeuvre de Sigmund Freud, Presses universitaires de France, 1992, v. III, p. 472). In: Ana Paula de Ávila Pinto. Uma ficção: o escritor Freud. Artefilosofia, Ouro Preto, n.7, p. 130-140, out.2009. (supra citada)

 

[13] Edmundo Gómez MANGO, Jean-Bertrand PONTALIS. Freud com os escritores. [Tradução: André Telles.] São Paulo: Três Estrelas.2013. 303 p.

 

[14] Ingrid VORSATZ, Ingrid. Freud e a ciência da literatura – psicanálise, ciência e poesia. Tempo Psicanalítico, Rio de Janeiro, v. 51.1: 159-184, 2019. Disponível em:

http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tpsi/v51n1/v51n1a08.pdf. Acessado em 3/nov/2020.

 

[15] Elizandra SOUZA. Psicotização da língua portuguesa. Postado em sua página do Linkedin:

https://www.linkedin.com/feed/update/urn:li:activity:6732695725504815105/