UMA OUTRA FORMA DE SE FAZER PSIQUIATRIA
fausto antonio de azevedo
Cada vez mais tem-se discutido o alcance, de maneira ampla e integrada, passando-se por diversas disciplinas, os métodos e a real eficácia da abordagem psiquiátrica atual para as difíceis questões da mente e do psiquismo.
Veja-se, por exemplo, dentre tantas outras, a obra corajosa do psiquiatra Guido Arturo Palomba chamada Decadência da Psiquiatria Ocidental., de 2021, pela Editora Del Rey (https://www.editoradelrey.com.br/direito/introducao-ao-estudo-do-direito/decadencia-da-psiquiatria-ocidental-9786500315462 ). O autor é Psiquiatra Forense, Ex-presidente e Membro Emérito da Academia de Medicina de São Paulo, Membro Titular da Academia Paulista de História, Membro Titular da Academia Cristã de Letras e Diretor Cultural da Associação Paulista de Medicina. Na Introdução, logo no primeiro parágrafo, pode-se ler:
“Os psiquiatras hodiernos passaram e passam por lavagem cerebral, somente possível por desconhecimento do arco histórico que lhes permitiria resistir à atual decadência da psiquiatria. Veriam como a especialidade foi se desenvolvendo desde os primeiros tempos para se organizar no século XIX e atingir o seu apogeu no século XX. Ajudaria a formar a consciência de como e por que tão rapidamente decaiu nessas duas primeiras décadas do século XXI, sendo a especialidade médica que mais se deteriorou no período. Os atuais fundamentos da especialidade, métodos de avaliação e sistemas de classificação parecem feitos sem conhecimentos mínimos do que seja uma verdadeira doença mental, com graves consequências na terapêutica. A Psiquiatria de hoje não tem bordas, limites rígidos a definir o que é e o que não é patológico, permitindo chamá-la de especialidade lassa, cujos diagnósticos e quadros clínicos foram e são alargados praticamente ad infinitum.”
Todavia, ao mesmo tempo que tantas críticas são feitas, há obras e testemunhos de psiquiatras que se devotam à psiquiatria colocando o paciente em primeiro lugar, sua história, sua trajetória, ouvindo-o de maneira larga e profunda, aos moldes do que era feito na Psiquiatria Dinâmica – para os céticos a respeito, que se veja, por exemplo, o cuidadoso descritivo apresentado por Roudinesco e Plon em seu excelente Dicionário de Psicanálise (
“Inicialmente utilizado por Gregory Zilboorg, em 1941, e depois por Henri F. Ellenberger, o termo psiquiatria dinâmica é empregado pelos historiadores, de um modo geral, para designar o conjunto das escolas e correntes que se interessam pela descrição e pela terapia das doenças da alma (loucura, psicose), dos nervos (neurose) e do humor (melancolia), segundo uma perspectiva dinâmica, ou seja, fazendo intervir um tratamento psíquico ao longo do qual se instaura uma relação de transferência entre o médico e o doente. Assim, incluem-se na psiquiatria dinâmica todas as formas de tratamento psíquico que privilegiam a psicogênese e não a organogênese das doenças da alma e dos nervos, desde o magnetismo de Franz Anton Mesmer até a psicanálise, passando pelo hipnotismo e pelas diversas psicoterapias.
Vista por esse prisma, a psiquiatria dinâmica relaciona-se, em primeiro lugar, com a psiquiatria, da qual toma emprestadas as classificações e a clínica; em segundo, com a psicologia, que postula um dualismo da alma e do corpo e propõe técnicas de observação do sujeito; e finalmente, com a tradição dos antigos curandeiros, da qual pôde emergir a própria idéia de uma cura transferencial.” (Grifo meu; Dicionário de psicanálise/ Elisabeth Roudinesco, Michel Plon; tradução Vera Ribeiro, Lucy Magalhães; supervisão da edição brasileira Marco Antonio Coutinho Jorge. — Rio de Janeiro: Zahar, 1998. p. 627)
Assim, no rol das esperanças, quero agora me referir ao recentemente lançado no Brasil: Que artista o meu artista – A vida de Simonetta Magari.
Neste pequeno notável livro, imbricam-se – de fato – as vidas, ou pensamentos e obras, de três maiores e magistrais artistas, a saber: Deus! desde sempre; a focolarina e psiquiatra Simonetta Magari (de quem o livro trata); e o escritor-autor Fabio Ciardi, que foi quem com imensos carinho, denodo, talento e lealdade redigiu o texto. O grande pano de fundo é a vida de Simonetta: de sua infância e seus sonhos primaveris, à difícil opção, tomada com calma, reflexão e determinação, por um modelo incomum de vida, até sua escolha profissional, posta a serviço daquele projeto de vida, e já na fase derradeira, a coragem incomparável que emerge de seu delicadíssimo quadro de saúde e a mantém perseverante em seu caminho, fé, lógica e escolha. Aquela escolha que se deu lá antes, nos anos jovens, mas que se susteve e se fortaleceu a cada avanço e cada percalço, para culminar, nos tempos do martírio da doença, numa clareza ímpar de sua visão e percepção da vida, valorizando-a de maneira total!
No livro, inúmeras lições podem ser encontradas: de vida, de amor, de fé, de diligência, de bondade etc. Todavia, fiel ao título dessa nota, restrinjo-me apenas ao lá anunciado, isto é, o aspecto psiquiátrico. E vou direto ao coração de nosso debate: páginas 44 e 45. Permitam-me a longa citação, mas a Simonetta Magari fala e o grande amigo Fabio Ciardi escreve:
“Você sabe quem é uma focolarina?
“Ela é a guardiã da chama, daquele fogo que Jesus veio trazer à terra. Ela a conserva com zelo, não comum uma pobre vestal forçada pelo destino, mas com a paixão de um amor tão forte quanto o fogo que Jesus acendeu em seu coração.
“Não é um recipiente refratário, inerte: deixa-se queimar por aquela chama, que a envolve a transforma em fogo.
“É uma pessoa que inflama como foi inflamada e expande o incêndio do amor: dá alegria a Jesus, que veio entre nós realizando o desejo Dele de ver o próprio fogo arder e se espalhar por toda a terra.
“É uma pessoa que mantém viva aquela chama do amor que se fez pessoa ao lado das outras: Jesus no meio no focolare.
“Como, então, não permanecer sempre uma ‘popa’*, uma criança, com o encanto do primeiro amor?
“Os frutos são evidentes (…) Testemunho milagres contínuos em minha vida e também no meu trabalho. Sou psiquiatra e psicoterapeuta e não consigo expressar o espanto ao ver pessoas se curarem e se libertarem da prisão do próprio eu, que paralisa, acorrenta. Quando consigo fazer-me um com o outro e levá lo a não ser para ser, a vida e o amor nascem em pessoas entorpecidas há anos. Quando um eu se reforça e se torna nós, o psicoterapeuta ou o medicamento não são mais necessários. Testemunho com respeito sagrado o florescimento do relacionamento com Deus em almas que pensavam que não o tinham. Consigo levar a descobrir o ouro que existe em meio a tanta lama de imoralidade…
“Não lhe contei o que descobri ainda em Ancona. Alvoradas maravilhosas. Nuvens escuras e ameaçadoras que pairam sobre o ar revolto e fazem a pele arrepiar. Céus muito límpidos de um azul tênue que acolhem o nascer do sol com serenidade e calma, sem se perturbarem. A alternância de véus com as mil cores do arco-íris que envolvem um sol ardente que nasce aguerrido, com força, dominando o próprio céu. Nunca uma manhã é como a outra. Que grande artista é o meu artista. Compensa com as suas alvoradas os meus ocasos de Anzio.”
[Popa: termo utilizado no Movimento dos Focolares que provem do dialeto da região de Trento, Itália, que significa criança. (N. d. T.)]
Curto e comovente livro. Conciso no raciocínio e na linguagem, larguíssimo no amor e transcendência. Provocativo e inspirador. Faz parar, faz pensar, faz querer agir!
Parabéns e agradecimentos a Simonetta e a Fabio.
Anotem:
Fabio Ciardi, conforme apresentado no livro, professor emérito do Instituto Teológico Claretianum, de Roma, e diretor do Centro de Estudos dos Missionários Oblatos de Maria Imaculada, autor de muitas obras, é quem nos traz um tanto da vida e das reflexões, dos sofrimentos e do amor, do ensimesmamento e da entrega de Simonetta Magari.
Para os que têm facilidade de leitura no idioma italiano, indico Simonetta Magari: a tu per tu con la Sla, em: https://www.cittanuova.it/simonetta-magari-grande-donna-dio-la-sla/?se=026
Assim escreveu Fabio Ciardi, em 6 de outubro de 2024, por ocasião do terceiro aniversário de falecimento de Simonetta Maggari:
“Hoje na Madonna del Carmine recordamos o terceiro aniversário da morte de Simonetta Magari.
“Lembrei-me especialmente do ‘fio vermelho’ que guiou toda a sua vida: a consciência de estar nas mãos de Deus que trabalhou nela para torná-la uma obra-prima. Ela o escreveu ainda pequena, e o escreveu no final da vida, na carta dirigida ao Papa: «Sinto-me um ‘banco’ onde todos podem sacar, porque a relação com Deus é sempre Deeper. A doença é o Seu cinzelamento, com o qual Ele faz da sua obra uma obra-prima. São justamente os golpes que mais doem que dão a forma. A doença é um privilégio e uma dádiva Dele, o que me leva a dizer, apesar do sofrimento, que este é o período mais lindo da minha vida porque experimento uma alegria que nunca senti antes. No entanto, estou consciente de que a minha força vem do amor daqueles que me rodeiam e da unidade que existe no lar que torna Jesus visível entre nós”.
(https://fabiociardi.blogspot.com/2024/10/ricordando-simonetta.html – Tradução pelo recurso do Google tradutor)
Obrigada, Fausto, por me levar a uma releitura dessa obra com seu olhar profissional e profundamente humano e cristão…parabéns pela sensibilidade compartilhada aqui nesse blog…