VIDA

Quantas pessoas já não se dedicaram a tentar entender e explicar o que é a vida: poetas, escritores, dramaturgos, cientistas, filósofos, religiosos, psicanalistas; todos estes ao longo do tempo, e outros, têm buscado interpretar, decifrar o que é a vida. A lista seria – e é – interminável. Vejamos, por exemplo, um pequeno trecho inicial da abordagem de um filósofo muito respeitado por sua obra e por seu dicionário, Abbagnano (Nicola Abbagnano, Dicionário de Filosofia, 5ª. ed., São Paulo, Editora Martins Fontes, 2007):

“Característica que têm certos fenômenos de se produzirem ou se regerem por si mesmos, ou a totalidade de tais fenômenos. Essa caracterização é aqui dada apenas por ser aquela em torno da qual é mais amplo o acordo entre filósofos e cientistas, e a título puramente descritivo, sem que o reconhecimento de uma característica própria dos fenômenos da vida. implique o reconhecimento de um princípio ou de uma causa em si desses fenômenos.”

A vida, do latim vita, (como em vital, vitalício, vitalismo, vitamina… Pode estar associada com a raiz indo-européia aiw = energia vital, vida longa, eternidade) é, por certo, muito mais do que um sistema biológico inscrito no campo material. Ela também é plenamente feita de intangíveis e imateriais, e bem o digam os poetas, como Paulinho da Viola: “Que a vida não é só isso que se vê / É um pouco mais / Que os olhos não conseguem perceber / E as mãos não ousam tocar / E os pés recusam pisar” na canção Sei lá Mangueira.

Ocorreu-me, então, tecer poucas considerações a partir de um trecho de algumas linhas do romance Werther (ou Os sofrimentos do jovem Werther), do consagrado escritor alemão Goethe, surgido em 1774. Tal obra tem sido, ao longo dos tempos, considerada um expoente da literatura mundial e o gatilho para o romantismo, e parece carregar algo de autobiográfico. No livro, Werther, pessoa da aristocracia, por meio de cartas na forma semelhante a um diário enviadas a Wilhelm, analisa seu amor obsessivo e paralisante por Charlotte, moça de grande beleza, segundo suas palavras. E o imaginado-suposto amor apenas gravita em torno da inexpugnabilidade da amada, vez que ela já havia firmado compromisso de casamento com outro.

Pois bem, à página 67, no tópico referente a Agosto, 22 da apontada obra de Goethe, na publicação da Abril Cultural de 1971, segundo parágrafo, lê-se:

“Juro a você que por mais de uma vez desejei ser um simples trabalhador do campo; assim, ao despertar, teria uma perspectiva para a jornada que começa, uma necessidade que me impelisse e uma esperança.”

Cedo à tentação de matematizar os três elementos encadeados nas linhas acima e transformá-los na fórmula seguinte:

Muito embora trate-se aí de uma literatura, todavia utilizo a mesma liberdade criativa com a qual os meus amigos lacanianos tanto gostam de expressar seus achados do psíquico, outra literatura…

Pois bem: perspectiva, necessidade e esperança!

Perspectiva diz respeito à dimensão do horizonte e, portanto, tem a ver com as chances que uma sociedade oferece para suas pessoas; uma sociedade verdadeiramente democrática, em que ninguém exerça poder autoritário por detrás de cargos públicos, é capaz de convidar todos ao debate na praça, como na velha Ágora, emprestando a cada um as vestes da dignidade do pertencimento legítimo e da participação. Sem isso não há horizonte, sem um horizonte largo e profundo as perspectivas podem ser restringidas até a um mísero ponto e sem perspectiva fica inviável a equação acima, a qual, se perfeita, implicará na possibilidade real de uma vida humana plena e, por extensão, toda a vida planetária também.

Quanto à necessidade, é bem notório que a vida traz em si o ser necessária. Desde o início, seja pela via da explicação bíblica seja pela via tentativa dos cientistas, a vida se instala no planeta porque não poderia ser de outra maneira: a hipótese de não haver a vida é bastante simplória e deficiente e falível. A natureza pulsa no vigor da vida; o material inanimado existente no cosmos e no planeta Terra teria como único caminho a organização, de tal sorte a produzir sistemas moleculares capazes de suportar a replicação e, desde aí, a vida no ser humano, suas forças interiores corpo-alma, corpo-espírito determinam uma ação pulsional em favor da… Vida!

Esperança. Havendo uma perspectiva larga e sólida gestada e mantida por uma sociedade sadia, tanto quanto sadios forem todos os seus membros, e havendo, portanto, no sentimento de cada qual a plena e justa necessidade de viabilizar a perspectiva, tornando-a um fato real, explode em nós, como não poderia ser de outra forma, uma miríade de esperanças: a esperança de viver, a esperança de produzir, a esperança de crescer e se desenvolver, a esperança de poder ajudar os outros, a esperança de ter um reconhecido papel social, a esperança de ter uma família, a esperança, enfim, de encontrar uma realização tão nobre e tão significativa que nos faça, inclusive, transcender de um plano cronológico terrestre para algo além, algo em que, ainda que mantendo e conservando nossos traços humanos mais importantes, possamos também ter a ciência, a percepção, a intuição de que pertencemos a algo maior que, desde a nossa perspectiva, pode não ser plenamente compreendido, mas pelo exercício posterior da intuição construída nesse caminho mediante os três elementos daquela equação, fica bastante notável e se transforma numa das crenças mais poderosas que o coração humano pode albergar.