Luto: A violência está no vazio?

Palavras chave:  Luto, vazio, Freud, culpa, rituais

O enterro do Conde de Orgaz – El Greco – 1586-1588
Igreja de São Tomé – Toledo – Esp.

O luto é um trabalho psíquico necessário. Quando perdemos alguém ou algo importante em nossas vidas, toda a energia psíquica que foi investida naquilo ou naquele que se perdeu, é recolhida de volta para nosso o ego. Trata-se de um processo lento e doloroso para que, no final, possamos fazer novos investimentos afetivos. Mas enquanto vivemos a dor da perda, entristecemos.  O mundo fica mais empobrecido, desinteressante. Um mundo esvaziado de cor, de sabor, de prazer. Muitas vezes, o sofrimento é tão intenso que buscamos tamponar as faltas com objetos como compras, drogas, excesso de comida, de trabalho ou de euforia (que é diferente de ‘alegria’). Acreditamos ilusoriamente que a superação está em ‘podermos esquecer’  já que a ausência daquilo que amávamos  torna-se quase uma violência para nós. Mas a violência não está no encontro com o vazio e sim no imperativo social de que devemos seguir em frente rapidamente, ‘virar a página’, sermos fortes.  Freud nos alerta para que seja evitada qualquer tentativa de abreviar este processo. Assim, por exemplo, as propostas dos amigos de animar o enlutado com festas ou saídas para eventos, só pioram o quadro, podendo gerar instabilidade emocional ou outros sintomas.  O apoio sensível e a disponibilidade para uma escuta interessada por parte das pessoas próximas, geralmente são suportes suficientes na elaboração da perda. Lembramos ainda que o tempo necessário para transpor essa dor é singular. 

Outros sentimentos podem se revelar durante o processo: um misto de raiva por se sentir abandonado ou medo de entrar em contato com o vazio deixado pelo que se foi. Por vezes, também a culpa se faz presente durante o trabalho do luto. Culpa por ter perdido o objeto amado ou por tê-lo desejado. Este sentimento nos engessa, não permitindo o deslizamento do nosso desejo para um novo afeto. Nestes casos, é importante  buscar a ajuda de um profissional em saúde mental.

Vale destacar que as circunstâncias atuais do isolamento social por conta do corona vírus também dificultam o atravessamento pelo período de luto. Não estamos conseguindo realizar os rituais de despedida. Cada sociedade constrói seus ritos de passagem, de mudança. Eles nos ajudam a elaborar as perdas e   desinvestir a energia que foi canalizada para o objeto amado. Freud revela que deverá ocorrer primeiro um superinvestimento emocional no objeto que foi perdido, para que possamos depois nos desapegar. Ou seja, é preciso chorar o ente que se foi, o emprego que se perdeu, a pátria que se deixou. Durante este período de pandemia, as pessoas estão impossibilitadas de velar e enterrar seus parentes e amigos. Isso tem efeitos no nosso psiquismo. Quais as saídas?  Criar novas formas de ritualizar, de viver a dor da despedida.  Uma amiga querida perdeu o irmão neste período difícil de isolamento compulsório. Convidou os amigos e parentes próximos para uma homenagem utilizando um aplicativo que possibilitou a todos expressarem seu pesar através do encontro virtual. É a tecnologia operando a nosso favor. Entrar em contato com a dor nos permite  superação.