O suicídio e a ausência das palavras

Tânatos como um jovem alado (Escultura em mármore, templo de Artemisa, Éfeso, ca. 325-300 a.C.)

Freud desenvolveu a teoria psicanalítica ao longo de décadas, mas desde muito cedo reconheceu a importância da palavra.

“…as palavras são o instrumento essencial do tratamento mental. Um leigo sem dúvida achará difícil compreender de que forma os distúrbios patológicos do corpo e da mente podem ser eliminados por ‘meras’ palavras. Ele achará que lhe estão pedindo que acredite em mágica. E não estará muito errado, pois as palavras que usamos em nossa fala diária, não são senão uma mágica atenuada”.

(Freud, ‘Tratamento psíquico – ou mental‘, 1905.)

A ‘magia das palavras’ e seu poder transformador é experimentada pelo paciente no  processo de análise. Conseguir dar uma tradução ao sofrimento, encontrar algum significado para a dor, permite àquele que padece, experimentar um alívio e buscar saídas mais construtivas frente à angústia.

Para a prevenção de atos extremos como o suicídio, vale lembrarmos que a escuta analítica abre um campo importante para que o outro encontre formas simbólicas de expressar seu sofrimento. Um sofrimento que, muitas vezes, chega como queixa de um vazio sem representações ou da falta de sentido para continuar vivendo.

Muito se tem discutido sobre o suicídio e os estudos revelam a importância de se reconhecer os sinais de uma possível tentativa contra a própria vida já que, comumente, este é o ato final de uma série de apelos que não encontrou endereçamento. É o transbordamento de um excesso de estímulos no aparelho psíquico sem possibilidade de elaboração; uma quantidade de energia mental que não é simbolizada através da palavra. Surge daí uma angustia de tal monta que a passagem ao ato se revela como única solução para a eliminação da intensa dor emocional.

Eros e Tânatos, vida e morte, habitam nossa psique. Estas forças pulsionais se misturam e resultam numa fusão com quantidades distintas de energia. Assim, todos nós alternamos, ao longo da vida, momentos de maior ou menor poder de destruição. No ato suicida, a exigência pulsional de descarga da energia psíquica, sem um quantum de Eros, provoca a fratura de toda sustentação emocional, gerando uma fragilidade que, associada à falência das redes de apoio, culminam na eliminação da própria vida.

A escuta ativa do analista ajuda o paciente que padece pela ausência de palavras e não vislumbra significados para viver, a nomear novos caminhos, descobrindo alternativas para lidar com um sofrimento que não tenha o fim como prerrogativa. Uma escuta que resulte em um dispositivo para que o sujeito encontre os meios de amalgamar suas forças internas num arranjo onde o desejo de viver se sobreponha a perspectiva da morte.