TRANSTORNOS ALIMENTARES E O ISOLAMENTO SOCIAL

Palavras chave: transtorno alimentar, compulsão alimentar, psicanálise, pandemia, isolamento

“O sintoma esconde tanto quanto mostra” nos lembra o psicanalista francês Philippe Jeammet. O que se esconde por trás de uma compulsão alimentar? E o que este sintoma pode revelar?

Caravaggio, Cesta de Frutas, tinta a óleo (c. 1597) Pinacoteca Ambrosiana

O isolamento social que vivemos em função da epidemia do novo Coronavírus tem provocado reações emocionais das mais diversas. Uma queixa constante na clínica diz respeito ao ganho de peso pelo sedentarismo e pela compulsão alimentar. A ingestão descontrolada de comida assusta principalmente àqueles que não apresentavam este sintoma anteriormente ao isolamento. Assim como a insônia e as doenças psicossomáticas, a compulsão alimentar coloca o corpo em evidência, revelando que, aquilo que não pode ser simbolizado, posto em palavras, é expressado pelo corpo. Sabemos que as pessoas não comem apenas para se alimentar. O alimento é carregado de significados. Temos registros de momentos maravilhosos que estão associados à comida, assim como de momentos traumáticos. Ainda que não nos recordemos, várias experiências deixam marcas que retornam, muitas vezes, em forma de sintomas. Mas o significado deste distúrbio é singular, ou seja, as causas variam de acordo com a história de cada um. Vale ainda diferenciarmos as compulsões que ocorrem em momentos pontuais da vida (situações de luto, época do vestibular ou outros períodos de mudanças radicais), dos distúrbios alimentares que acompanham a pessoa desde muito cedo na sua história, como dificuldades para ingerir alimentos na infância, obesidade ou anorexia na adolescência.

Quando o corpo padece por longos períodos e diversas tentativas de controle fracassaram, vale sempre buscar ajuda profissional. As pressões para corresponder a um corpo idealizado pela cultura podem gerar enorme insatisfação com efeitos desastrosos no nosso psiquismo.

Comer demasiadamente neste período de isolamento e de medo tem uma função na dinâmica emocional. Nosso psiquismo tende a buscar equilíbrio e, quando as tensões aumentam, a tendência é de descarga do excesso dos estímulos. Se o nosso aparelho mental não consegue elaborar toda esta energia, um dos possíveis destinos para a angustia é o corpo. Comer pode ser uma tentativa simbólica de aplacar o desamparo que o isolamento provoca; de silenciar esta angustia. É possível que o sintoma seja passageiro e que a pessoa consiga encontrar formas criativas de superar aquilo que momentaneamente a perturba. Mas se o prejuízo é grande, as perdas são significativas e o sofrimento impera, é importante que também nesta situação, ela possa contar com um profissional de saúde mental. O psicanalista trabalha para que o paciente consiga expandir o repertório emocional, utilizando seus recursos psíquicos no enfrentamento da dor, do medo, do luto. É fundamental que o paciente possa lidar com o imediatismo tão característico nas compulsões, conseguindo introduzir os fatores de “tempo e espera” nas suas relações com a comida.

Buscar alternativas exclusivamente medicamentosas para conter a ansiedade ou seguir modelos pré-estabelecidos para lidar com o medo sem problematizar sobre o significado dos sintomas que surgem, empobrece as narrativas e ‘fecha’ circuitos psíquicos para a possibilidade de novas ligações. E o escoamento para o corpo torna-se o único percurso energético possível.