Quanto à depressão

Melancolia I, gravura – Albrecht Dürer, 1514 – The Metropolitam Museum of Art
https://www.metmuseum.org/pt/art/collection/search/336228

Luis Hornstein:

As depressões constituem o lado sombrio da intimidade contemporânea. Este flagelo aumenta face a esta pandemia catastrófica que vivemos.

Abordo o panorama a partir de uma psicanálise cujo pluralismo crítico não depende das afiliações, mas sim de uma inserção na clínica atual. Baseio-me na metapsicologia freudiana e pós-freudiana, na clínica e em certos temas transdisciplinares, como sistemas abertos, determinação e acaso, e teorias da complexidade. É essencial confrontar a psicanálise com essas novas formas de pensar, não apenas para evitar os riscos do reducionismo, mas para realizar uma psicanálise contemporânea de seu presente.

Vamos evitar generalizações descritivas para descobrir o que há de único nas depressões. Muitos fatores estão em jogo. Uma questão inevitável é a relação entre o sujeito e seus valores e objetivos. Para compreender as depressões, é necessário abordar a relação ego/superego-ideal do ego, as fortalezas narcisistas, a forma como as dores passadas e presentes são processadas, os efeitos da vida atual nas avaliações do ego.

Depois das doenças cardíacas, as depressões representam hoje o maior fardo para a saúde, considerando a mortalidade prematura e os anos perdidos por incapacidade. Não existe uma única depressão, mas uma ampla gama de estados de ânimo e expressões afetivas: o deprimido pode estar:

  • sobrecarregado em busca de estímulos,
  • ansioso em busca de calma,
  • insone em busca de sono.

O fardo se expressa na temporalidade (“Não tenho futuro”), na motivação (“Não tenho forças”) e na coragem (“Não valho nada”).

Nenhuma abordagem isolada – nem a psicofarmacologia, nem qualquer psicoterapia – é capaz de neutralizar as depressões. Somente a partir do paradigma da complexidade, ou seja, evitando o reducionismo de uma abordagem única, é possível compreender o desequilíbrio neuroquímico (indiscutível nas depressões) e ao mesmo tempo a ação conjunta – e difícil de dividir – da hereditariedade, história, vida atual, conflitos, condições histórico-sociais, experiências e estados do corpo.

A questão pode ser vista como um “sistema aberto” em constante interação com seu meio, e tratada a partir das diferentes constelações conceituais que explicam sua clínica e oferecem uma atualização sobre a noção fundamental de autoestima, determinada pela história, pelas conquistas, pela configuração dos vínculos, assim como pelos projetos (individuais e coletivos) que alimentam o presente.

Luis HORNSTEIN. As depressões – Afetos e humores do viver. São Paulo: Editora Via Lettera, 2020. 236 p.

http://lojavirtual.vialettera.com.br/as-depressoes-afetos-e-humores-do-viver.html

Roudinesco:

No fim do século XX, a depressão, forma atenuada da melancolia, vai se tornando, nas sociedades industriais avançadas, uma espécie de equivalente da histeria da Salpêtrière, outrora exibida por Jean Martin Charcot: uma verdadeira doença de época. Se esta última, no entanto, se afigurara aos olhos dos contemporâneos como uma revolta do corpo feminino contra a opressão patriarcal, a depressão, ao contrário, cem anos depois, parece ser a marca de um fracasso do paradigma da revolta, num mundo desprovido de ideais e dominado por uma poderosa tecnologia farmacológica, muito eficaz no plano terapêutico.

Por outro lado, existe um dado invariável na estrutura melancólica, como mostrou Freud. Ele reside na impossibilidade permanente de o sujeito fazer o luto do objeto perdido. E é isso, sem dúvida, que explica a presença do famoso “temperamento melancólico” nos grandes místicos, sempre ameaçados de se afastar de Deus, nos revolucionários, sempre à procura de um ideal que se esquiva, e em alguns criadores, sempre em busca de uma auto-superação.

Elisabeth ROUDINESCO,  Michel PLON. Dicionário de Psicanálise. [Tradução Vera Ribeiro, Lucy Magalhães; supervisão da edição brasileira Marco Antonio Coutinho Jorge.] Rio de Janeiro: Zahar, 1998. p. 507.

https://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=4100795